Skip to main content

Posts

Showing posts from 2018

19 H 35

                                          19 H 35      Em todos os dias há este preciso momento: trinta e cinco minutos depois das dezanove horas.      Todavia, este é um momento diferente de todos os outros nos restantes dias de sempre, porque acontece na véspera de Natal. A noite em que as famílias se reúnem para a Consoada, numa tradição sempre renovada com alegria e desejos de novas esperanças.      Num ano ou noutro há quem tenha de se sacrificar em favor do bem comum, porque assim manda o dever, mas nunca nessa noite serão esquecidos: nem os seus familiares, aos quais se sentem ligados, nem os cidadãos anónimos que os chamam ao pensamento.      Assim se vive o espírito de Natal!      Depois das quatro horas ininterruptas concentradas no trabalho, que se alheia dos dias e das noites e apenas tem de assegurar a torrente dos gordos proventos, fiz um intervalo para a Ceia de Natal a que me dizem ter direito: o que havia trazido de casa, como de costume, numa pequena marmit

NOVA PROFISSÃO

                                            NOVA PROFISSÃO      Na montra da loja de produtos de beleza e higiene (perfumes, sabonetes e alimentos para gatos), a folha branca A4 anuncia, em letra bem desenhada: "Precisa-se de Colaboradora". Apenas isso: colaboradora! Mulher, portanto. Para mais informações haveria que investigar, eventualmente, no interior da loja.      Várias opções seriam possíveis, supõe o anúncio:  - Um lugar junto da gerência, colaborando com ela, e a quem daria o saber e experiência adquiridos.  - Conselheira - uma colaboração inestimável - sobre as tendências da moda: novas fragrâncias e raças de gatos.  - Responsável pela gestão dos recursos humanos da loja - colaboração essencial para o elevado padrão de desempenho do pessoal, visando o aumento da produtividade.  - Colaborando na representação da empresa (várias vezes premiada) em eventos de promoção das marcas de excelência que muito contribuem para o crescimento da economia nacional.  

ROSAS E CARDOS

                                                ROSAS E CARDOS      A avaliar pelo sorriso rasgado do Ministro do Trabalho (também da Segurança Social, que agora não importa, e da Solidariedade, nome sem cabimento), o resultado da reunião da Concertação Social foi um sucesso: os trabalhadores, especialmente os milhares de precários, terão liberdade para continuar as suas lutas.      Isto, do lado do Governo.      Do lado do patronato, o patrão dos patrões apresentou-se, no final da mesma reunião, com um sorriso ainda mais franco a justificar a vitória da classe mandante, ainda que pouco produtiva - para produzirem existem os trabalhadores, e quanto mais precários tanto melhor...      Isto, do lado dos patrões.      A classe operária, o terceiro grande "parceiro" nas negociações, esteve muito mal representada, como quase sempre. E assim, alguns dos seus mandatados não mostraram grandes tristezas ou sinais de pequenas revoltas.       Sinal dos tempos...       Na su

GLENDA JACKSON

                                                    GLENDA JACKSON      Nascida em 1936, Glenda Jackson foi actriz durante 35 anos. Muito inteligente, marcadamente irónica e possuidora de forte carácter, guardamos na nossa memória as suas representações em séries da BBC: "Rainha Elizabeth I" e "Mary, Rainha da Escócia".      A Academia premiou-a com dois Óscares.      A Grã-Bretanha atribuiu-lhe a Ordem do Império Britânico (CBE).      Mulher de causas, feminista, não poderia ser indiferente a uma mais intensa participação na sociedade: em 1992 foi eleita para o Parlamento Britânico (e reeleita em 2001, 2005 e 2010). Foi Ministra dos Transportes.      Numa altura em que os políticos preferem adoptar a bajulação, deixando de ser verdadeiros e perdendo credibilidade, sobressai em Glenda Jackson uma qualidade enaltecida pela vivência nos palcos: a necessidade de se ser verdadeiro.      Ficou célebre uma sua intervenção no Parlamento, quando se referiu à polí

O CV DE VANESSA

                                         O CV DE VANESSA      Depois de anos de bons serviços - muito trabalho - a Josefa deixou de servir na casa do morgado, senhor da terra. Não importam as razões, mais as suspeitas que as conhecidas.      Além da trouxa com os pequenos haveres, e da generosa paga, a Fina, assim conhecida, foi servir para outra casa. Levava consigo uma carta de recomendação a atestar o profissionalismo, a dedicação e a honestidade com que sempre serviu o senhor morgado.      Valendo como passaporte para uma vida talvez melhor, a meia dúzia de linhas da carta de recomendação era o Curriculum Vitae daqueles tempos passados na quinta.      Os anúncios de oferta de emprego são taxativos: M/F (será escolhido o candidato que der mais lucro à empresa); 12º ano de escolaridade (têm preferência os licenciados: no começo das carreiras não protestam); conhecimento de línguas estrangeiras (o português não é prioritário); experiência anterior (pesa pouco: se tem experiên

AMANHÃ, A MADRUGADA

                                    AMANHÃ, A MADRUGADA      É cálida a noite.      As aves vigiam, guardando silêncio.      Suave é a brisa, acariciadora.      A lua, matreira, resguarda-se numa nuvem.      As estrelas dão as mãos e sorriem.      Tempo de vésperas.      É chegada a hora dos audazes.      Um raio de luz aponta a alvorada, a tão desejada alvorada.      O princípio da esperança, a eterna esperança.      É a madrugada do futuro prometido.      

AS GUERRAS DOS OUTROS

                                AS GUERRAS DOS OUTROS      Em 9 de Abril de 1918 - há cem anos - o Exército Português (as Forças Armadas portuguesas) combatia no inferno de La Lys, no Norte de França, ao lado das tropas francesas contra as poderosas forças alemãs, depois da declaração de guerra da Alemanha a Portugal.      Morreram muitos milhares de soldados portugueses, e muitos milhares ficaram feridos e com graves doenças.            Hoje foi dia de homenagear com solenidade tantos heróis - sim, todos foram heróis - e as suas famílias. Nunca serão demasiadas as justas palavras que se digam, e também nunca secarão as lágrimas que por eles se choram.      Hoje, e num acto de solidariedade e fraternidade, também deveria ser dia de honrar os militares portugueses que, mesmo não envolvidos numa guerra, estão prontos, por juramento solene, a defender a nossa Pátria.      Na mesma Primeira Grande Guerra, muitos soldados indianos foram recrutados para combaterem na Inglaterra, a

EMPREGO E DESEMPREGO

                                EMPREGO E DESEMPREGO      Os números do desemprego agora revelados confirmam o que já se pressentia: para além da dificuldade em contabilizá-los com exactidão, persiste a manutenção de princípios que ajudam a esconder as realidades, que têm sido regra nas políticas do trabalho e servido para jogos de interesses vários, e nunca para a melhoria das condignas condições dos trabalhadores.          Mas o desemprego diminuiu, é certo, e isso é bom.      Neste âmbito - o do trabalho - o maior cancro social reside no regime dos trabalhadores precários (empresas privadas), em que predomina a exploração do trabalhador, quer pelos salários muito baixos, quer pelas condições desumanas  (físicas e de coacção moral), quer ainda pela incerteza de possibilidade de permanência no emprego.      Exemplos há muitíssimos, e as empresas regem-se todas pela mesma cartilha: uma vez admitidos (após concurso), os futuros trabalhadores pagam a exigente formação do seu pr

XIS PONTO ZERO

                                           XIS PONTO ZERO 1. Os avanços tecnológicos, em especial no domínio da informática, maravilham-nos. E a cada dia que passa, espantosamente, mais se inova, para bem das sociedades, espera-se.     O desenvolvimento da ciência e a aplicação de tamanhos progressos podem levantar algumas questões: definição de prioridades (investigar o quê) e consequências para a humanidade (benefícios e malefícios).     As próprias sociedades, por intermédio de variadíssimos organismos, devem vigiar os caminhos seguidos por tantos avanços. Não há outro meio. Esvoaçam zeros... 2. No nosso dia-a-dia já usufruímos de alguns dos efeitos práticos das novas tecnologias: por exemplo, é-nos facilitada a vida para pagarmos impostos, mas para se reclamar um erro ou qualquer prejuízo que nos causem, volta-se ao tempo da ardósia. Ficam os zeros... 3. Ainda agora sucede: um trabalhador despedido recebe um impresso próprio da Segurança Social, já preenchido com os dados

NÚMERO PRIVADO

                                              NÚMERO PRIVADO      Tenho por norma não atender telefonemas de números privados - de boa gente, ou de boa coisa, não serão, penso. Abri hoje uma excepção, mesmo sendo na hora de almoço: é dia de Carnaval, dia de folia, e quase feriado...      Disse o seu nome, que não fixei, e mencionou o nome duma empresa (ou seria duma associação de protecção a crianças e desprotegidos?), que também não registei.      Repetiram, a meu pedido, para ficar com a certeza. Respondi clara e prontamente: "ainda ontem me ligaram" (teria sido do mesmo poiso?), "e dei-lhes a resposta que agora lhe vou dar: peço desculpa, não estou interessado" (mas porquê pedir desculpa?).       Agradeceu, submissa, e adivinhei tristeza na sua voz, que terá ficado gravada.      Enquanto almoçava, no relativo conforto do que por estes tempos se pode dispor, aquela colaboradora (moderno termo pretensamente valorizado, de trabalhadora), não pude tirar da