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NÚMERO PRIVADO



                                              NÚMERO PRIVADO

     Tenho por norma não atender telefonemas de números privados - de boa gente, ou de boa coisa, não serão, penso. Abri hoje uma excepção, mesmo sendo na hora de almoço: é dia de Carnaval, dia de folia, e quase feriado...
     Disse o seu nome, que não fixei, e mencionou o nome duma empresa (ou seria duma associação de protecção a crianças e desprotegidos?), que também não registei.
     Repetiram, a meu pedido, para ficar com a certeza. Respondi clara e prontamente: "ainda ontem me ligaram" (teria sido do mesmo poiso?), "e dei-lhes a resposta que agora lhe vou dar: peço desculpa, não estou interessado" (mas porquê pedir desculpa?). 
     Agradeceu, submissa, e adivinhei tristeza na sua voz, que terá ficado gravada.

     Enquanto almoçava, no relativo conforto do que por estes tempos se pode dispor, aquela colaboradora (moderno termo pretensamente valorizado, de trabalhadora), não pude tirar da mente aquela pessoa do telefonema. E pensei na espécie do seu trabalho - e não emprego - que lhe permite receber um salário (ou uma esmola?) ao fim do mês, inferior ao salário mínimo nacional - o tal valor que tem em conta o mínimo necessário para se viver acima do limiar da pobreza.
     E se essa pessoa tiver filhos (ou apenas um filho), o que farão eles nesse momento? Almoçam - e com quem? Estarão a brincar - como, e com quem?
     A Mãe há-de chegar logo, talvez tarde...

     Enquanto o patrão - invisível patrão - almoçava, como lhe é próprio e supostamente devido, aquela chamada ficou gravada e servirá para avaliar o desempenho da funcionária, da colaboradora, da trabalhadora, sei lá que mais lhe chamar...

     Mais umas tantas respostas semelhantes à minha, ainda que dadas de forma educada, iriam conduzir a um desempenho insuficiente da colaboradora: o patrão não tiraria por aquela via grandes lucros, e a porta de saída (o despedimento) ficaria escancarada. Nunca se sabe.

     Haja, todavia, esperança: a um alto nível, vão juntar-se os responsáveis  (sem responsabilidades) pelas organizações que envolvem os empresários (representando os patrões) e os representantes dos trabalhadores, estes alheios aos assuntos que directamente lhes dizem respeito.
     O consenso conseguido será, no mínimo, parcial: a cena vai repetir-se, enquanto houver vida e saúde.

     Quero atender uma próxima chamada vinda de número privado, para provar a mim mesmo que o mundo gira, algumas coisas mudam, mas muitas outras ficam na mesma - ou pior!

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