O CV DE VANESSA
Depois de anos de bons serviços - muito trabalho - a Josefa deixou de servir na casa do morgado, senhor da terra. Não importam as razões, mais as suspeitas que as conhecidas.
Além da trouxa com os pequenos haveres, e da generosa paga, a Fina, assim conhecida, foi servir para outra casa. Levava consigo uma carta de recomendação a atestar o profissionalismo, a dedicação e a honestidade com que sempre serviu o senhor morgado.
Valendo como passaporte para uma vida talvez melhor, a meia dúzia de linhas da carta de recomendação era o Curriculum Vitae daqueles tempos passados na quinta.
Os anúncios de oferta de emprego são taxativos: M/F (será escolhido o candidato que der mais lucro à empresa); 12º ano de escolaridade (têm preferência os licenciados: no começo das carreiras não protestam); conhecimento de línguas estrangeiras (o português não é prioritário); experiência anterior (pesa pouco: se tem experiência, o candidato já não será um jovem); carta de condução (a empresa é fora de portas e não é servida por transportes públicos); envio de currículo detalhado (que terá pouco préstimo: não haverá ninguém para fazer avaliação correcta do CV).
Concorrentes aos magotes, entrevistas curtíssimas, sempre as mesmas palavras finais, quase de desprezo: "entraremos em contacto".
Vanessa viu o convite e respondeu porque, disse, adorava relações internacionais...
Enviou o seu CV, nos moldes modernos: alguns dados pessoais, fotografia a revelar a alma, e duas ou três linhas de banalidades. Acrescentou, em jeito de anexo, capas de revistas cor de rosa e de jornais desportivos, evidenciando algumas das suas muitas capacidades:
"Vanessa arrasa"
"Vanessa deslumbra"
"Vanessa em destaque"
"Vanessa ousada"
O baboso dos recursos humanos olhou, e não teve palavras: só salivou!
Vanessa inicia amanhã a sua rendosa ocupação, mais passatempo que emprego.
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