A SAÚDE DOS OUTROS
1. Depois da intervenção cirúrgica à outra anca, o prestigioso ortopedista, professor catedrático, elaborou o requerido relatório para avaliação do grau de incapacidade, a ser certificado por uma Junta Médica, como manda a lei. Aplicou-se a tabela em vigor: 65% de incapacidade motora.
Uns anos depois nasceu uma nova versão da lei, neste particular da saúde, com diminuição nos parâmetros, para "maior rigor e transparência". Nova avaliação.
Reunido o trio da Junta Médica (um clínico era muito novo), debruçaram-se sobre o novo relatório, semelhante ao anterior, e após algumas perguntas de circunstância e alguma cogitação, decidiram o novo grau de incapacidade: 62%!
A continuar assim, qualquer dia o utente da saúde ficará em estado de novo e dispensa as próteses!
2. A professora tinha cancro há alguns anos, e estava a fazer tratamento. Notava-se claramente, e custava-lhe muito ter que enfrentar os seus alunos. Para além do sofrimento físico, tinha que lidar diariamente com o negrume que lhe invadia a alma. Sentia-se esgotada, um farrapo.
Apelou à Junta Médica para ser reformada, ajudando-a a acabar os seus dias com alguma paz. Os clínicos não encontraram razões que justificassem a aposentação por doença, e decretaram que a professora estava em "condições razoáveis para leccionar".
3. No Centro de Saúde, o médico de família observou o doente e prescreveu alguns exames, considerados necessários, que costumam demorar o tempo que alguém bem entende ou determina. Muitas vezes, demasiado tempo.
Feito o diagnóstico, o médico de família requereu exames urgentes - escrito com maiúsculas! Após muitos meses, os exames com data marcada, foram adiados, sem data prevista.
A urgência cresceu. A esperança diminuiu.
Foram seguidos os passos que as leis determinam: centro de saúde, médico de família, requisição de exames (urgentes, sendo o caso), tratamento aconselhado, se um dia se fizerem os exames...urgentes!
O doente pode esperar, e tem de esperar, porque a lei assim prevê.
4. A saúde dos outros cuida-se por decreto.
Comentários
A Saúde em Portugal está bastante doente. Dizem que não há verbas. Como havia de haver verbas se elas são desviadas para bolsos particulares e para actividades inúteis?
Vivemos num país em que se brinca aos governantezinhos, com o aval de um povo que não tem capacidade para ajuizar coisa nenhuma. Vai daí, vota sempre nos mesmos.
Tudo isto é revoltante.