COUVES E TRAPOS
Tive que esperar largos minutos até chegar a minha vez para comprar selos.
À minha frente estava uma mulher do povo, fortalhaças, vestida de preto, e na casa dos cinquenta.
Era impossível não ver nem ouvir a funcionária dos correios ir contando, e cantando, as notas que ia colocando no balcão: cem, duzentos, trezentos, quatrocentos, quinhentos...
Fiz um esforço para não ouvir mais.
Olhei à volta e calculei, pelo que vi, que devia ser dia de pagamento de pensões.
Curiosamente, àquela mesma hora discutia-se no Parlamento - no nosso Parlamento - a questão ignominiosa dos contratos de trabalho precários e correspondentes vencimentos miseráveis, que atingem milhares de pessoas, muitas delas com formação superior; e, como se verifica, há deputados, alinhados com certo tipo de patronato, que ainda gastam o seu tempo a discutir este problema, que nos envergonha.
Fiquei a matutar naquela cena passada nos correios. Aquela cara não me era estranha! Creio já tê-la visto, ou num lugar de venda de hortaliças ou numa barraca de venda de trapos, na feira.
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