OS BURROS
Não são bem conhecidas as verdadeiras razões que levaram J.A. de M., em tempos que já lá vão, a dirigir-se ao superior hierárquico da Ordem dos Bernardos, em termos pouco comuns e nada respeitosos. Sendo uma missiva violenta, de protesto, tudo leva a crer que o Geral dos Bernardos teria feito asneira grossa, infringindo seriamente alguns dos princípios que a ordem monasticamente respeita, e tantos que eles são.
É muito provável que o referido superior tenha abusado da sua posição ou feito favores a alguém, não sendo merecedor, desviando-se escandalosamente das normas de conduta que são preceito daquela comunidade religiosa.
Sem outras conjecturas e essenciais investigações, leia-se a carta endereçada a Sua Reverendíssima, tal qual nos foi dada a conhecer:
" Ao Geral dos Bernardos
DEDICATÓRIA
Nunca a matéria tratada, e os mecenas a quem ela se dedica, tiveram e conservaram entre si tanta semelhança e analogia quanta se encontra e se conserva entre os heróis deste poema depois de transformados em burros, e Vossa Reverendíssima que Deus guarde.
Sempre o mundo sentiu e conheceu que dizer burro e dizer frade bernardo era dizer uma e mesma coisa, e corresponde a uma e mesma ideia; pois se ser frade bernardo é ser burro, quanto mais o deve ser Vossa Reverendíssima que é seu geral? Medraram muito à sua sombra estes seus jumentos, e os cuidados paternais de Vossa Reverendíssima o mais perfeito, alentado, seguro, inflexível e empertigado modelo, como é bem de presumir do papudo e glutinoso pasto que Vossa Reverendíssima lhes costuma dar nos seus dois exemplaríssimos serralhos de Coz e de Odivelas. A igualdade das manhas, a identidade do juízo que entre eles e Vossa Reverendíssima se encontra, os farão viver com Vossa Reverendíssima em perfeita harmonia. Existirão todos na mesma estrebaria, participarão da mesma ração, atirarão os mesmos couces, zurrarão uníssonos, e darão, se puderem, os mesmos pinotes.
Eu me aplaudo da escolha do mecenas, e Vossa Reverendíssima se deve também lisonjear porque eu tinha muito por onde escolher; mas não quis, nem outro escudo, nem outra protecção para os meus burros.
A semelhança é causa de amor, unem-se naturalmente as partículas homogéneas, e vivem sempre em paz os animais brutos da mesma espécie. Para não aturdir as felpudas e esguias orelhas de Vossa Reverendíssima com a palavra "força centrípeta", ainda que muito fora da esfera jumental; porque nada quer dizer, eu me servirei de outra mais clara e mais sentida por Vossa Reverendíssima. Os meus burros ficarão simpaticamente unidos a Vossa Reverendíssima com a mesma arreata, cobrirá a todos uma mesma albarda, e bambolearão nas nádegas de todos os meus atafais.
O mundo aplaudirá a escolha, e ao mesmo tempo se arredará, vendo passar os meus burros com o geral dos Bernardos à sua frente; e assim mesmo desviado, e fora do alcance da garupa, não deixará de dizer cheio de satisfação: "Aí vai a Comunidade com o seu prelado". Para formar o encómio das burricais qualidades de Vossa Reverendíssima, desejara ter as frases e o juízo alvar dum quinhentista, ou dum padre Fóios. Mas destituído de tudo, só me fica a sinceridade de lhe dizer, sem ofensa da sua religiosa modéstia, e sem encher a sua manjedoura do retraço abominável da lisonja, que Vossa Reverendíssima não só é um pedaço de asno, mas uma conhecida besta, um burro acabadíssimo, e perfeitíssimo jumento, de quem se protesta,
Sincero tangedor,
J.A. DE M. "
Neste caso foram os simpáticos burros chamados a servirem de referência para quem teve um comportamento menos próprio; poderiam ter sido os camelos, por exemplo, se os tempos fossem outros e a gravidae dos atropelos cometidos fossem diferentes.
Escolhidos foram os burros.
Fiquemo-nos, pois, com os burros.
Não são bem conhecidas as verdadeiras razões que levaram J.A. de M., em tempos que já lá vão, a dirigir-se ao superior hierárquico da Ordem dos Bernardos, em termos pouco comuns e nada respeitosos. Sendo uma missiva violenta, de protesto, tudo leva a crer que o Geral dos Bernardos teria feito asneira grossa, infringindo seriamente alguns dos princípios que a ordem monasticamente respeita, e tantos que eles são.
É muito provável que o referido superior tenha abusado da sua posição ou feito favores a alguém, não sendo merecedor, desviando-se escandalosamente das normas de conduta que são preceito daquela comunidade religiosa.
Sem outras conjecturas e essenciais investigações, leia-se a carta endereçada a Sua Reverendíssima, tal qual nos foi dada a conhecer:
" Ao Geral dos Bernardos
DEDICATÓRIA
Nunca a matéria tratada, e os mecenas a quem ela se dedica, tiveram e conservaram entre si tanta semelhança e analogia quanta se encontra e se conserva entre os heróis deste poema depois de transformados em burros, e Vossa Reverendíssima que Deus guarde.
Sempre o mundo sentiu e conheceu que dizer burro e dizer frade bernardo era dizer uma e mesma coisa, e corresponde a uma e mesma ideia; pois se ser frade bernardo é ser burro, quanto mais o deve ser Vossa Reverendíssima que é seu geral? Medraram muito à sua sombra estes seus jumentos, e os cuidados paternais de Vossa Reverendíssima o mais perfeito, alentado, seguro, inflexível e empertigado modelo, como é bem de presumir do papudo e glutinoso pasto que Vossa Reverendíssima lhes costuma dar nos seus dois exemplaríssimos serralhos de Coz e de Odivelas. A igualdade das manhas, a identidade do juízo que entre eles e Vossa Reverendíssima se encontra, os farão viver com Vossa Reverendíssima em perfeita harmonia. Existirão todos na mesma estrebaria, participarão da mesma ração, atirarão os mesmos couces, zurrarão uníssonos, e darão, se puderem, os mesmos pinotes.
Eu me aplaudo da escolha do mecenas, e Vossa Reverendíssima se deve também lisonjear porque eu tinha muito por onde escolher; mas não quis, nem outro escudo, nem outra protecção para os meus burros.
A semelhança é causa de amor, unem-se naturalmente as partículas homogéneas, e vivem sempre em paz os animais brutos da mesma espécie. Para não aturdir as felpudas e esguias orelhas de Vossa Reverendíssima com a palavra "força centrípeta", ainda que muito fora da esfera jumental; porque nada quer dizer, eu me servirei de outra mais clara e mais sentida por Vossa Reverendíssima. Os meus burros ficarão simpaticamente unidos a Vossa Reverendíssima com a mesma arreata, cobrirá a todos uma mesma albarda, e bambolearão nas nádegas de todos os meus atafais.
O mundo aplaudirá a escolha, e ao mesmo tempo se arredará, vendo passar os meus burros com o geral dos Bernardos à sua frente; e assim mesmo desviado, e fora do alcance da garupa, não deixará de dizer cheio de satisfação: "Aí vai a Comunidade com o seu prelado". Para formar o encómio das burricais qualidades de Vossa Reverendíssima, desejara ter as frases e o juízo alvar dum quinhentista, ou dum padre Fóios. Mas destituído de tudo, só me fica a sinceridade de lhe dizer, sem ofensa da sua religiosa modéstia, e sem encher a sua manjedoura do retraço abominável da lisonja, que Vossa Reverendíssima não só é um pedaço de asno, mas uma conhecida besta, um burro acabadíssimo, e perfeitíssimo jumento, de quem se protesta,
Sincero tangedor,
J.A. DE M. "
Neste caso foram os simpáticos burros chamados a servirem de referência para quem teve um comportamento menos próprio; poderiam ter sido os camelos, por exemplo, se os tempos fossem outros e a gravidae dos atropelos cometidos fossem diferentes.
Escolhidos foram os burros.
Fiquemo-nos, pois, com os burros.
Comentários
SE CALHAS OS BURROS POR SEREM DEMASIDA INTELIGENTES NÃO QUEREM SER CONFUNDIDOS COM OS ESPERTOS...
Isso não será piada para os "Bernardos" de cá?
A "Ordem" é muito grande e eles são solidários. As retaliações acontecem... quando menos se espera. Falo por mim.