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                                           UM  CERTO  PODER


1. Há governantes que vão deixando passar os anos repetindo os mesmos cenários políticos, diferentes apenas na subtileza do engenho criado para ludibriar os ingénuos e os incautos que lhes deram o suporte. Eles, sentados nas cadeiras do poder ou voluntariamente presos nas teias que defendem os seus interesses próprios, assumem-se como paladinos intemeratos na luta pelo bem-estar da comunidade que representam, dizem-se detentores de amor acrisolado à terra que (talvez) os viu nascer, e juram tratar com critérios de igualdade os seus semelhantes.
   Tem sido assim em cada ciclo de quatro anos, sendo cada repetido mandato mais voraz de apetites vários e proporcional ao vazio de ideias sérias e úteis.

2. Por serem cidadãos os elementos manipuláveis nestas quadras eleitorais, é importante ter-se em conta um conceito de cidadania - por exemplo, aquele que é definido por Kant - no qual são considerados três qualificativos jurídicos para o cidadão:
  - a liberdade constitucional, que se traduz no direito de apenas obedecer às leis consentidas;
  - a igualdade civil, ou o direito de não reconhecer qualquer outro como superior;
  - a independência política, ou o direito de pertencer à comunidade política sem dependência da vontade arbitrária de outro.
   Ocorre-me, nesta altura, perguntar quantos cidadãos desejam utilizar ou seguir estes qualificativos, que devem ser orientadores da sua participação política. Além de alguns não quererem e outros não precisarem (!), muitos talvez os desconheçam, e muitos outros não poderão usar o seu direito de cidadania, direito segundo o qual ninguém deve mostrar-se estranho ou indiferente à política.

3. Como primeiros intervenientes na luta política, temos que saber distinguir entre grupos de interesse e grupos de pressão.
   Os grupos de interesse têm apenas em vista a defesa de interesses estabelecidos que a lei defende, podendo esses interesses ser políticos, culturais ou religiosos, e agregar pessoas que apenas tenham em comum um gosto ou atitude perante o mundo e a vida.
   Por grupo de pressão (na definição de Mathiot) entende-se toda a acção realizada junto de qualquer autoridade para influenciar nas suas decisões, através de métodos apropriados, desde a propaganda hábil e enganosa até aos meios de intimidação.
   Uma das armas mais frequentemente utilizadas, e por muitos aplaudida, é a corrupção, umas vezes sem disfarce, outras revestindo uma legalidade aparente.
   No campo das práticas ilegais destinadas a capturar (e a manter) o poder eleitoral, inclui-se a corrupção e a violência, e é aqui que uma comunicação social independente pode contribuir fortemente para desmascarar e talvez anular aqueles efeitos. É por isso que a corrida para o controlo e para o domínio dos meios de comunicação social, muitas vezes à custa do orçamento público (isto é, à custa dos impostos pagos pelos munícipes), faz com que, em vez de servir uma opinião pública que se pretende esclarecida para tornar independente ou livre o sufrágio eleitoral, pelo domínio dos meios de comunicação social permite-se manipular a opinião pública (quase sempre de forma grosseira e escandalosa), para ajudar à captura  (e manutenção) do poder.

4. Embora activos, os grupos de interesse apresentam neste momento uma vivacidade e uma eficácia relativas, porque seguem estritamente as linhas programáticas que a lei lhes concede e têm como ambição legítima a defesa do interesse comum.
   Por sua vez, alguns grupos de pressão desmultiplicam-se em actividades desenfreadas, aviltando valores, e com o objectivo primeiro de defender  (e aumentar) os interesses ou proveitos próprios.
   Deste confronto de comportamentos, e pelo conhecimento de situações de ética apunhalada e de má gestão do poder concedido, cria-se-nos a imagem das consciências dos compadres e confrades escorregando pelas cordas ensebadas do despudor e quase a roçar o lodaçal político em que alegremente se vão atolando.

5. É dos livros!
    Mas na prática, quase tudo é diferente - é consoante!

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