A CIDADE DERRUBADA
Aqui é uma cidade. As árvores
rastejam. Um punho ferido
desce das janelas. O céu
é um pulmão de cinza
e ar morto. Gritam aves,
gritam o silêncio enlouquecido
no ventre das mulheres.
O amor é um mito nos corpos
secos. Apodrece
o sol.
Aqui é uma cidade. Onde?
Que ruas se estendem para o medo?
Quem atira o sangue contra as portas?
O ódio tatuou os homens. Marcham
num cordão de lágrimas. Não olham.
Um pelotão de braços
tomou conta das fábricas. As pernas
arrastam a cegueira.
Aqui é uma cidade. Habitam sombras
de carne apavorada. Amarrotando a boca.
Os olhos empunham a surpresa
que a noite clandestina lhes propõe.
As mãos estendem-se para as armas,
derrubando o muro. O sangue,
o grito incrédulo, levanta-se nos dedos.
Um povo caminha com a voz.
- Poema "A Cidade Derrubada", de Joaquim Pessoa (in " A Morte Absoluta", livro inédito de 1974).
Aqui é uma cidade. As árvores
rastejam. Um punho ferido
desce das janelas. O céu
é um pulmão de cinza
e ar morto. Gritam aves,
gritam o silêncio enlouquecido
no ventre das mulheres.
O amor é um mito nos corpos
secos. Apodrece
o sol.
Aqui é uma cidade. Onde?
Que ruas se estendem para o medo?
Quem atira o sangue contra as portas?
O ódio tatuou os homens. Marcham
num cordão de lágrimas. Não olham.
Um pelotão de braços
tomou conta das fábricas. As pernas
arrastam a cegueira.
Aqui é uma cidade. Habitam sombras
de carne apavorada. Amarrotando a boca.
Os olhos empunham a surpresa
que a noite clandestina lhes propõe.
As mãos estendem-se para as armas,
derrubando o muro. O sangue,
o grito incrédulo, levanta-se nos dedos.
Um povo caminha com a voz.
- Poema "A Cidade Derrubada", de Joaquim Pessoa (in " A Morte Absoluta", livro inédito de 1974).
Comentários
Este poema de Joaquim Pessoa deve ter sido escrito no primeiro trimestre de 1974, antes do "25 de Abril"...
É demasiado lúgubre, sinistro até.
Ao ler os primeiros versos até pensei que, por causa das árvores, se tratasse da Póvoa de Varzim.
Felizmente que não é. Aqui, respira-se Abril a plenos pulmões:
há transparência absoluta, respeito pelas minorias, respeito pela diferença, respeito pelas decisões dos tribunais, imprensa livre e plural, e, felizmente, quem critica o poder até é elogiado, pois está a prestar um bom serviço à Democracia. Uma oposição forte, fortalece o regime democrático e é um acicate para as instituições.
Aqui, o poder não existe para se servir a si mesmo e às suas cliques, mas sim, para servir a colectividade e para impulsionar todas as iniciativas que venham por bem...
Aqui, o poder não é uma sistemática oposição à oposição, mas respeita-a, aceita as suas sugestões e até a elogia quando é o caso. Enfim, o poder não está introvertido em si mesmo, não é autista, não é fóbico em relação à oposição...
Aqui o poder é a incarnação plena dos ideais de Abril...
É dos meus poetas preferidos.